Uma área na Amazônia quase do tamanho da Venezuela pode ser devastada, resultando em prejuízos econômicos bilionários por ano, caso o projeto de lei que autoriza mineração dentro de terras indígenas no Brasil seja aprovado. É o que concluiu um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e australianos que analisou os impactos ambientais do PL 191/2020, apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional em fevereiro deste ano.
"Se todas as ocorrências minerais que conhecemos hoje fossem desenvolvidas, tanto dentro como fora das terras indígenas, o impacto chegaria a 863 mil km²", calcula o professor Britaldo Soares-Filho, coordenador do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores do estudo, publicado neste mês, na revista científica One Earth.
Essa porção de floresta afetada seria substituída não apenas pelas cavas das minas e por suas usinas de beneficiamento, mas também por estradas, linhas de energia e infraestrutura de serviços ligados à atividade. A perda de biodiversidade vinculada aos projetos de mineração afetaria cadeias produtivas locais, como a da madeira e a da borracha, além da extração de castanha-do-pará, que garante a subsistência de muitos povos da floresta.
O desmatamento de uma área com essas dimensões traria ainda alterações no regime de chuvas - não apenas da Amazônia, mas do Centro-Oeste e até do Sul, regiões onde está concentrado o agronegócio do país, responsável por 21% do PIB nacional, segundo a Confederação Nacional de Agricultura. O estudo aponta ainda que, sem chuva, as lavouras perderiam produtividade.
Na ponta do lápis, o resultado seria um prejuízo total de pelo menos US$ 5 bilhões por ano (cerca de R$ 28 bilhões na cotação atual), o equivalente ao lucro líquido de um dos maiores bancos do país em 2019. Trata-se de uma estimativa do valor que a área de floresta potencialmente afetada pela mineração fornece à economia global, ao produzir alimentos, mitigar as emissões de CO2 e regular o clima para a agricultura e a produção de energia.
"E esse é um valor extremamente conservador, porque conseguimos medir apenas alguns serviços ecossistêmicos. Financeiramente, há muito a se perder com o desmatamento", alerta Soares-Filho.
O cálculo foi feito considerando os danos ambientais na vegetação e em rios em um raio de 70 km, a partir do local de extração do minério, e inclui desmatamento e degradação da floresta. O estudo alerta ainda para a pressão populacional, cuja consequência imediata seria uma ameaça aos povos e aos ecossistemas presentes na floresta, muitos ainda nem conhecidos por cientistas.
"O prejuízo cultural é muito difícil de ser calculado", afirma Juliana Siqueira-Gay, doutoranda e pesquisadora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), que também assina o artigo publicado na One Earth.
Garimpo
O projeto de lei examinado pelos pesquisadores prevê uma compensação financeira aos indígenas potencialmente afetados pela mineração. "Mas é muito difícil que esse valor chegue a US$ 5 bilhões anuais. O que o estudo faz é colocar uma pergunta: vale a pena abrir [para mineração]?", diz Siqueira-Gay.
Uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina que os povos indígenas sejam consultados sobre qualquer projeto que possa afetar seu modo de vida tradicional - e que a decisão deles tem poder de veto. O PL traz menção à oitiva das comunidades indígenas afetadas, mas sem trazer detalhes sobre como isso aconteceria.
Até dezembro de 2019, a Agência Nacional de Mineração (ANM) registrava cerca de 4 mil requerimentos minerários protocolados dentro de terras indígenas da Amazônia. Embora seja ilegal minerar essas áreas, não há vedação para que elas sejam requeridas formalmente. A orientação do Ministério Público Federal para a agência é que esse tipo de pedido seja negado imediatamente, mas na prática não é o que ocorre, ainda que a maior parte deles não se reverta em autorizações de pesquisa ou de lavra.
O temor dos pesquisadores é que, diante do volume de riscos que pode representar uma operação minerária em terra indígena - inclusive reputacionais -, o PL atraia não as grandes mineradoras, que podem sofrer pressões de investidores, mas sim garimpeiros ilegais. Uma preocupação que é compartilhada pelos índios. As informações são da Deutsche Welle.
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